dezembro 05, 2010

Destaque de Dezembro:Poeta Maria Soledade Santos,Sob os teus pés a terra

E NO ENTANTO O DIA É FUNDO


 O horizonte abre-se na cal que maio lava
 e no entanto o dia é fundo   
 de armários, invernos e cheiros
 a madeira encerada.
 No côncavo de maio existem
 antigos sons de respiração,
 crianças perdidas no escuro
 procurando saídas que não encontram.
Lembro-me –
 eu brincava no vão da escada
 e vieram dizer (seria maio
 ou julho talvez) a mãe morreu.



NÃO PRECISAMOS DE MUITA COISA


Não precisamos de muita coisa,
um pouco de sol e as Berlengas no horizonte,
a tarde escorrendo na cafetaria,
os nossos olhos lentos e as vidraças
subitamente acesas no esplendor das bátegas.
Patos selvagens erguendo-se da lagoa
quando sairmos e ao vento frio oferecermos
a transparência dos lábios cercados
pela melancolia da tarde que se nos finda.

E à noite talvez as mãos
ardidas de saudade e em surdina
uma canção de Ella e Louis Armstrong.


A ÚNICA VERDADE



Em louvor de Bernardim Ribeiro

A única verdade é a linha que puxo na extremidade da agulha,
ponto a ponto desenho
a paciência, refaço os gestos
das minhas avós.

Quantas coisas se passavam na cabeça das mulheres em seu estrado,
em seus olhos dobrados,
e eu que nunca tive
paciência.

Mas quem fui bem vedes que o não sou já
e pois que não tenho armas para ofender,
faço desenhos de flores brilhantes com linhas
de seda paciente,
é tudo o que posso fazer
com os olhos dobrados
na noite
que não pára de crescer.


PEDRAS
 [Maria Partridge]

Oiço o grande fragor das pedras que renunciaram a ser inertes
e abrem corações negros como o princípio do tempo.
Mais alto, peço, e a voz da soprano grita pedras pedras
agonia da metamorfose e vai crescendo o som,
densa muralha de notas de sólidos de arestas agudas,
caem não sobem soterram mais alto peço um apocalipse
todo meu que ofusque a violência do luto.



Sob os teus pés a terra[1]
    Soledade Santos

    ISBN: 978-989-8417-03-9
Depósito Legal n.º 318726/10
© Soledade Santos e Artefacto

®
Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul
Av. D. Carlos I, n.º 6, 1.º
1200 – 647 Lisboa

[1] O título é extraído de um verso de Odysséas Elytis que serve também de epígrafe à parte 4 deste livro.



Maria Soledade Santos nasceu no Sabugal, Guarda, em 1957. Reside no concelho de Alcobaça, onde é professora. Participou nas colectâneas Quatro Poetas da Net (2002) e Divina Música (2010).
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