E NO ENTANTO O DIA É FUNDO
e no entanto o dia é fundode armários, invernos e cheirosa madeira encerada.No côncavo de maio existemantigos sons de respiração,crianças perdidas no escuroprocurando saídas que não encontram.Lembro-me –eu brincava no vão da escadae vieram dizer (seria maioou julho talvez) a mãe morreu.
NÃO PRECISAMOS DE MUITA COISA
Não precisamos de muita coisa,um pouco de sol e as Berlengas no horizonte,a tarde escorrendo na cafetaria,os nossos olhos lentos e as vidraçassubitamente acesas no esplendor das bátegas.Patos selvagens erguendo-se da lagoaquando sairmos e ao vento frio oferecermosa transparência dos lábios cercadospela melancolia da tarde que se nos finda.
ardidas de saudade e em surdinauma canção de Ella e Louis Armstrong.
A ÚNICA VERDADE
[Maria Partridge]
A única verdade é a linha que puxo na extremidade da agulha,ponto a ponto desenhoa paciência, refaço os gestosdas minhas avós.
Quantas coisas se passavam na cabeça das mulheres em seu estrado,em seus olhos dobrados,e eu que nunca tivepaciência.
e pois que não tenho armas para ofender,faço desenhos de flores brilhantes com linhasde seda paciente,é tudo o que posso fazercom os olhos dobradosna noiteque não pára de crescer.
PEDRAS
Oiço o grande fragor das pedras que renunciaram a ser inertese abrem corações negros como o princípio do tempo.Mais alto, peço, e a voz da soprano grita pedras pedrasagonia da metamorfose e vai crescendo o som,densa muralha de notas de sólidos de arestas agudas,caem não sobem soterram mais alto peço um apocalipsetodo meu que ofusque a violência do luto.
Sob os teus pés a terra[1]Soledade Santos
ISBN: 978-989-8417-03-9Depósito Legal n.º 318726/10© Soledade Santos e Artefacto
®Sociedade de Instrução Guilherme CossoulAv. D. Carlos I, n.º 6, 1.º1200 – 647 Lisboa[1] O título é extraído de um verso de Odysséas Elytis que serve também de epígrafe à parte 4 deste livro.
Maria Soledade Santos nasceu no Sabugal, Guarda, em 1957. Reside no concelho de Alcobaça, onde é professora. Participou nas colectâneas Quatro Poetas da Net (2002) e Divina Música (2010).
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Uma das maiores poetas da lingua portuguesa.
ResponderExcluirApenas isto...